A ÉTICA DA LEI E A ÉTICA DA PSICANÁLISE
1. A
Lei kantiana e a ética do desejo
Kant critica todas
aquelas teorias morais que regulam o agir humano. Em outras palavras, se Kant
desarticular as elaborações tradicionais da moral que permanecem no âmbito da
razão.
A moral Kantiana exclui a
ideia de que possamos ser regidos se não por nós próprios. É a pessoa humana,
ela própria, que é a medida e a fonte do dever. O homem é criador dos valores
morais, dirige ele próprio a sua conduta. Kant parte do pressuposto hobbesiano
de que o homem é egoísta por natureza, ou seja, age movido por interesses
pessoais. Para satisfazer esses desejos é capaz de praticar os mais insólitos
atos. Assim, para que o homem possa se constituir em um ser moral ele precisa
controlar essa inclinação natural e permitir que a razão determine a sua
conduta, que, a partir de então terá validade e alcance para além de si mesmo.
A ética Kantiana é a expressão da supremacia do interesse coletivo sobre o
individual.
Mas, para o filósofo, a
razão humana teria três destinações: determinar o que podemos conhecer (razão
teórica), prescrever como devemos agir (razão prática) e compreender o que
torna algo belo (faculdade de julgar). Ela, em qualquer dessas vertentes, seria
universal em sua FORMA (a mesma para todos os homens e em todos os lugares e
tempos), mas variaria em seus conteúdos.
Assim, a moral de Kant é
uma moral racional: a regra da moralidade é estabelecida pela razão - O
Princípio do dever é a pura Razão. A regra da ação não é uma lei exterior a que
o homem se submete, mas é uma lei que a razão, impõe à sensibilidade. Nestas
condições, o homem, no ato moral, é ao mesmo tempo, Legislador e Súbdito. A
partir da vontade pura formulada por Kant para pensar a ética do dever, Lacan
formula, analogicamente, um desejo puro para a ética da psicanálise. Isso é um
ponto de virada kantiano tão fundamental que, sem ele, a psicanálise não teria
sido possível. Não seria possível pensar o sujeito de que trata a psicanálise
sem a ideia de que há nele algo que não está submetido às leis da natureza, ao
condicionado ou ao patológico. Aquilo que no sujeito aponta para além do
princípio do prazer é, assim, fundamental para Lacan construir uma ética que
coloca o desejo em primeiro plano.
2. O sexo e a lei em Kant e a ética do desejo em Lacan
2. O sexo e a lei em Kant e a ética do desejo em Lacan
Para falar de uma ética
que leva em conta o desejo, Lacan recorre à teoria kantiana, pois de um modo
similar com que Kant aborda a vontade moral, ou seja, purificando-a de seu
aspecto fenomênico, Lacan pretende abordar o desejo. Partindo da vontade pura
kantiana, Lacan procura designar um desejo puro, desatrelado de qualquer
referência a ideais. Entretanto, ao estabelecer um desejo puro Lacan depara-se
com problemas delicados, que serão abordados no decorrer do capítulo. Estamos
no final do Seminário VII, A ética da psicanálise.
A ética kantiana consiste num equilíbrio entre lei e liberdade, ou seja,
a lei moral é compreendida como lei da causalidade pela liberdade. Neste
contexto está claro que o centro do problema da moralidade em Kant está na
relação entre liberdade e lei, a questão é compreender qual é a natureza dessa relação.
Lacan encontra em Kant e
Sade pontos importantes para abordar aquilo que está para além do Princípio do
Prazer e, portanto, como vimos, está no campo do gozo.
A lei que diz que
“qualquer um pode me dizer” que possui o direito de usufruir o “meu corpo, sem
que nenhum limite detenha o capricho das extorsões que se tenha gosto de nesse
corpo saciar”, não significa deixar agir livremente o que seria da ordem das
inclinações patológicas kantianas. É preciso ir além dos afetos e das
convenções sociais, como aponta Laia, para poder seguir essa lei e estar a
serviço da “natureza”, tal como Sade a compreende. Assim, para Lacan, a ética
sadiana é uma ética que se destaca de toda referência a um objeto da afeição,
seja ele qual for, ou seja que se destaca de toda referência ao objeto
patológico, objeto de uma paixão, qualquer que ele seja. Nas palavras de Lacan,
a ética de Sade é “uma ética que se destaca de toda afeição patológica a um
objeto” (Lacan, 1997, p. 98).
“Atualmente podem se
fazer contratos matrimoniais ou considerar por direito uma união estável
contemplando as mais diversas variáveis, por exemplo, podemos fazer contratos
matrimoniais com separação de bens (parcial ou total), podemos legalizar a
relação entre pessoas do mesmo sexo, mas em nenhum caso podemos pautar a
possibilidade contratual do uso da genitália fora da relação entre os
contratantes. Por exemplo, um cartório poderia aceitar um contrato matrimonial
que declarasse que os bens (fazendas, barcos, investimentos financeiros, etc.)
não serão compartilhados, mas nenhum cartório aceitaria um contrato matrimonial
que declarasse que a genitália será utilizada uma vez por semana fora do
contrato e para usufruto pessoal.
Esse moralismo também se
verifica na exclusão do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Aqui então
temos o segundo caso que havíamos deixado em suspense algumas páginas atrás. Se
bem Kant decide que o matrimônio não se funda em reprodução e sim em usufruto,
no caso de união entre pessoas do mesmo sexo a caracterização que ele faz é de
contra natura. Ora, o próprio Kant destaca que o matrimônio se sustenta mesmo
entre pessoas inférteis por qualquer razão justamente por se tratar de usufruto
e não de reprodução. ”
A lei kantiana quanto a ética dos desejos tratam dessa satisfação do
prazer, e em alguns pontos se convergem e noutros se distanciam. Podemos dizer,
que a lei em Kant e na Ética dos Desejos se relacionam no pensamento sobre a
constituição do sujeito constituída, onde lei e sexualidade se dão numa
experiência analítica. Também se relacionam quanto à compreensão de que a lei
manda sobre o sujeito de qualquer modo e de que a sexualidade gera paradoxos em
relação com a lei moral. Ambas afirmam que o homem obedece à lei porque sente a
força da lei mandando nele, uma vez que a lei é imperativa e manda por coerção.
A lei kantiana legisla sobre o usufruto do corpo do outro, ou seja, há
uma redução do outro a objeto de gozo para que o matrimônio funcione como união
sexual. O seu contrário seria o imperativo sádico. Nele se estabeleceria a
condição de poder gozar da totalidade ou de uma parte do corpo do outro e
vice-versa. A ética do desejo de Kant é herdeira de uma reformulação da ética
kantiana à luz da contraposição com a cena sadiana, esta operação teórica nos
permite pensar lei e sexualidade como constitutivas do sujeito em uma
experiência analítica. E quando Kant em sua filosofia prática, fala que a
"sexualidade gera algumas contradições em relação com a lei moral difíceis
de conciliar, a situação mais misterioso está na noção de matrimônio, que reduz
o outro a objeto de gozo, desconhecendo a humanidade que o kantiano deveria
reconhecer”, segundo ele, "só se pode ter relações racionais com outro que
também possa estar submetido à mesma lei à qual está obrigado”.
Considerações Finais
Quando consideramos a ética e o direito sobre o corpo do
outro em termos de usufruto sexual nos deparamos com algumas limitações dentro
da reflexão kantiana. O problema de considerar o outro como pessoa ou objeto de
usufruto nos coloca em um paradoxo.
As posições inversas de Kant em Sade como vêm até aqui parece
não resolver o problema. Por isso ensaiamos uma reconstrução da questão desde
Lacan. Nessa perspectiva, estamos em condições de formular a pergunta
fundamental: agiste em conformidade com teu desejo? (Lacan, 1959-60,
373). A pergunta, é claro, não busca um final feliz, até porque sabemos desde
Kant que nada garante a felicidade, nem mesmo uma ética dos bens. O que a
experiência analítica busca é um para além do dever, dos bens, da lei. O que
busca é uma certa transgressão do sujeito perante a interdição, uma certa
função ética do erotismo que nos permite, em definitiva, que algo, como efeito,
apareça como sujeito de desejo. Assim, a experiência que acolhe a relação
entre sujeito e objeto do desejo não se resolve em uma relação cognitiva, mas
ética.
Kant e Sade marcam um privilégio da dor como sentimento
nevrálgico da ação. Um tipo específico e bastante peculiar de dor, a
humilhação é um sentimento a priori em Kant. Mas é preciso dizer que
este sentimento deve ser ultrapassado até alcançar a apatia nos dois casos.
Para além desta situação, a ética do desejo não se articula pelo sentimento de
culpa, mas com a noção de responsabilidade. A implicação subjetiva não é outra
coisa que se defrontar com o desejo, inclusive nos sonhos e nos lapsos ou em
qualquer outra forma de apresentação das fantasias.
Trabalho apresentado pelos alunos da Universidade Federal do Espirito Santo, curso de Filosofia à disciplina de Ensino de Filosofia sob a orientação dos professores Jorge Augusto da Silva e Jorge Luiz Viesenteiner como requisito avaliativo. Componentes do grupo: Cláudia Oliveira, Luana Lacerda e Willias Bastos
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